quarta-feira, janeiro 11, 2006

Despedida À Humanidade


Naquele instante ele se lembrava dum livro que tinha lido há uns 2 anos atrás. Sua vida conturbada tinha lhe remetido a uma situação muito parecida com o livro. Ele parecia O Homem Ridículo, só que menos ridículo. Ele não estava tão preocupado em continuar existindo, mas apenas por não conseguir um motivo primordial para morrer, ele ficou a madrugada inteira acordado e imóvel.

Diferente do Homem Ridículo, ele não teve sonhos. Dai, não ser a cópia exata do seu, há dois anos atrás, responsável por noites de tristeza constante, O Sonho de Um Homem Ridículo.

Bem, antes de lê-lo, ele tinha a mesma visão sobre o mundo. As pessoas são seres ridículos, que se iludem o tempo todo, acreditando no sentido de coisas vãs e criando motivos inúteis para viver. Pessoas dão importância demais para a vida e todas as outras coisas criadas por pessoas ridículas. Morrem, sem nada levar e sem nada acrescentar a ridícula humanidade que muda sem nada, efetivamente, transformar. É tudo a mesma coisa...

Decidido então a fazer algo, resolveu fazer uma carta de suicídio. Imaginou que mesmo que não morresse naquele instante, um dia ela poderia vir a ser útil. Então a redigiu, imaginando que suas horas de batalha interna não ajudariam em nada. Tudo isso que lhe havia ocorrido só teria lhe tornado tão ridículo quanto os outros seres: morrem e nada acrescentam.

Antes de escrever, pensou nisso que acabava de soletrar "morrem, sem nada acrescentar". Opa! Ele estava se contradizendo. Quem disse que necessariamente ele precisava acrescentar algo? Aha! Não era isso que ele queria dizer realmente. Seria melhor dizer: “Morrem, não deixando nenhuma importante prova de que não era tão ridículo quanto os outros”. É claro que os seres ridículos têm o direito de serem assim, claro! Mas, por acreditar que ser ridículo é o caminho convencional e que continuar neste caminho apenas lhe trará dor e infelicidade, ele resolveu, finalmente, mudar algo em sua vida (nem que pra isso precise estar morto).

Então escreveu:


"Carta de Despedida À Humanidade

Caros seres humanos:

Tudo bem com vocês em seu mundinho de plástico? Bem, eu estou indo embora, mas queria falar um pouco com vocês antes.

Bem, tudo começou a cerca de 3 ou 4 mil anos atrás, quando muitos de vocês, por ganância, jorraram sangue inutilmente, criaram relações desiguais, enfim, mutaram a espécie: nascia o Homo sapiens maleficus.

Qualquer idiota imaginaria que essa espécie se extinguiria, ou pelo menos, fosse a minoria. Bem, algo muito diferente aconteceu... Esses seres gananciosos e sujos aproveitaram a inocência dos demais para se manterem numa posição consideravelmente elevada.

Bem, eles manteram-se tão ativos nas relações com seres inocentes, que praticamente toda a espécie foi contaminada pela maldade. Ora, mas essa maldade não é a única coisa que pode ser relacionada com a contaminação, claro que não.

Os seres passaram a ser mais passivos, passaram a aceitar mais as mudanças. Passaram a defender, ou concordar, com os seres maus.

O gênero de inocentes foi quase extinto, e até hoje, há muitos contaminados que mal conseguem enxergar a destruição que foi causada neste mundo ridículo.

Bem, por isso mesmo que estou indo... mas queria dizer-lhes algo que os fizesse pensar.

Não lhes envergonha ser assim não?

É sério. Eu sentiria muita vergonha em ser "normal" por puro comodismo, egoísmo ou maldade. O primeiro a se pronunciar quanto a mudança na forma como a humanidade anda caminhando diz: "Se não fosse assim não daria pra viver", ou "se eu pensar como você eu não vivo".

Estranho não? Parecem que vocês são idiotas o suficiente para aceitarem as coisas como lhes convieram (parece?). Pior, acho que o gene que infectou a vocês (e a mim também, é claro) lhes programou para desmotivarem e descacredirarem totalmente em mudanças.

Me entristece saber que valores individuais prevalecem sobre a grande maioria. Bem, se não for pelo fato da maioria ser conivente com a situação, é deprimente demais saber que existem seres que conseguem pensar em si mesmo: viver em função de sua própria satisfação, gozando de prazeres absolutos, felizes. No entanto, tudo isso conquistado com a fome de uns, esmagando outros, tirando a liberdade de muitos, roubando os sonhos de milhares, e fazendo uns desacreditados o suficiente para deixarem de existir.

Bem, humanos. Sinto não concordar com a ignorância generalizada que lhes assola. Não concordar com o egoísmo que lhes governa e a desgraça que lhes infecta.

Eu sei muito bem que vocês não vão durar 50 anos. Claro. Vocês mal se entendem entre si, quanto mais com o restante de metros quadrados que o planeta contém...

Já já tudo isso acaba, lhes enchendo de dor e sofrimento. De anos difíceis, de tragédias graciosas.

Só não venham com esse cinismo infeliz e com a cara mais abestalhada do mundo dizer: "Não tivemos culpa", "deus nos castigou".

Bem feito para vocês que continuarão assim. Continuarão possuídos pela maldade, pelo egoísmo e pelo comodismo que impera nos humanos. Bem feito por nada terem feito para ajudar seus vizinhos que morreram tentando melhorar o mundo. Bem feito por terem sido coniventes com a opressão e a falta de ética. Por terem fechado os olhos quando um egoísta qualquer se promoveu e esqueceu do resto do povo. Bem feito por assistirem alguns surtos de consciência e condenarem-os como loucura. Bem feito por sempre acreditarem na imprensa e todos os outros veículos de informação. Por nunca terem se questionado sobre a verdadeira verdade. Por possibilitarem os jogos de poder e interesse. Por serem massa de manobra. Por imaginarem que o mundo é perfeito e que ninguém é mau. Por recriminarem idéias novas e serem preconceituosos. Por gostarem do mundo simplesmente por estarem felizes em sua hipocrisia. Por existirem, seus infelizes de alma.

Imagino que vocês, quando crianças, devido a inocência, se sensibilizariam mais com as coisas e, particularmente, com tudo isso que lhes denuncio. Engraçado, vocês cresceram e tornaram-se infantis...

Imagino que muitos rirão desses escritos. Muitos dirão bem feito. Muitos nem entenderão.

E, eu permanecerei inútil. Assim como todos vocês que só fazem perpetuar esta existência desgraçada. Culpada pela existência do fator maldade.

Bem, por fim, queria pedir desculpa a alguns seres.

Queria desculpar, em nome de todos vocês inúteis, por todos os seres que foram matados inocentemente. Pelas espécies que foram sacrificadas e dizimadas em prol de interesses individuais. Pelos bilhões de seres mortos, puramente, para se transformarem em dinheiro e encherem os bolsos de humanos maus e egoístas.

Queria me desculpar também pelos que viveram por terem um sonho e não realizarem-no por puro descaso do restante. Por terem vivido e se dedicado a um mundo melhor, ou pelo menos, para melhorar seu mundo, e algum idiota muito esperto resolveu vender ou jogar fora seus sonhos.

E me desculpe o restante que se importa, por eu não ter mudado o mundo em nada. Mas, eu penso assim, o restante que impera não quer ser mudado. Se utiliza do velho "se eu pensar assim eu não vivo", ri das pessoas que se sensibilizam com os problemas e soltam um fervoroso "não to nem aí".

Mas enfim. Mesmo não tendo contribuído pra muitas atrocidades, eu nada fiz para impedir que elas ocorressem. E quando fiz não fui convincente, não as impedi de qualquer forma.

Vivi tão inutilmente quanto vocês. Agora, desisto de tentar mudar.

Bem, espero que todos vocês aproveitem bem as quase duas décadas que lhes restam de "sossego". Espero encontrar com muitos de vocês, pra aonde quer que eu vá, e ver se vocês realmente aprenderam algo. Eu realmente acho difícil... com mais de 2 mil anos as coisas só pioraram, não vai ser em 20 que a mudança irá acontecer.

Mas que seja. Curtam a destruição e nos vemos depois do apocalipse.”

E assim que acabou de escrever, dormiu, esperando nunca mais acordar... nunca mais sonhar... nunca mais existir...

Anderson