sábado, dezembro 29, 2007

Apenas mergulho...

É, ele não vai me ligar hoje.
Nem hoje, nem depois. Ele não é mais feito de matéria, então, ele não tem como pegar no telefone e discar meu número.
Se eu voltar um pouco no tempo, eu consigo ver todas as coisas que fizemos juntos. Tantas coisas foram, que eu não consigo imaginar que o que estou vivendo agora é verdade. Isso é inaceitável, eu não me despedi dele velho, nem um abraço sem graça, como quem sabe que seria o último. Não sei de quem é a culpa, mas eu realmente não gostei disso.
Todas as lágrimas que derramei, e a que derramo agora, tem um pouco de raiva, agonia, e falta de compreensão. Eu tive milhões de chances de não ter conhecido ele, de não ter me aproximado, de tantas coisas outras, e, depois do contrário se mostar correto, a coisa mais absurda acontece. Uma curva em 'S', um carro que vinha descendo a ponte, e uma colisão que destruiu o ser humano que eu mais estimava.
Ha algum eu estava com ele, numa moto, andando num lugar sem nada. O vento batia em meus olhos e eles lacrimavam a todo instante. Depois eu estava na ladeira com ele, vendo estrelas cadentes. Em seguida, na praça, tocando violão, ele cantava e eu tocava. Depois, na fazenda, ouvindo um vinil e vendo a lua.
Aquela risada, aquele rosto. Aquela voz, aquele discurso. Aquilo tudo que eu admirava mas achava que não era tanta coisa assim. Aquele cara que eu traí, que eu briguei, que eu fui grosseiro, e que eu não pedi desculpas.
Ele não é só uma pessoa. Não é só um estado físico morto. Não é uma estatística. Ali é uma memória, um abraço, um beijo, um perdão.
Nada disso faz sentido. A vida nem é tão coerente assim, mas de toda ela, a morte dele foi a mais insensata possível. Não preciso ser o mais sábio ou entendedor de coisas metafísicas para concluir que ele, e toda sua história, não deveriam acabar com o rompimento de uma aorta numa pista oleosa.
Não é assim que as histórias acabam.
Poderia ter sido eu. Preferia que tivesse sido eu.
Todo aquele sangue que escorria pela boca, aqueles olhos azuis, abertos. A sombrancelha enorme que ocupava boa parte do rosto, os pés que, de tão grandes, era a única coisa visível no caixão. Aquela boca aberta e o maxilar quebrado. Os dentes amarelos e o coração que não mais batia. Nada disso deveria existir. Deveria ser só mais um sonho horrível depois de uma noite muito mal dormida.
O que prevalece aqui é a não aceitação. Não posso me esconder, não posso fechar os olhos. Nada é permitido. Não existe fuga, apenas mergulho.
Trocaria tudo, por uma última conversa.

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu queria poder colocar em palavras o que explode dentro de mim em certas noites frias... mas meu dom não é de escrever!!

sabe, Patrick...

dele... eu só queria + um abraço!

Seria tanto pra mim...

Experiência Diluída disse...

Esse texto só me mostra o que tenho que fazer hoje, pois o dia é único e o amanhã pode não chegar para falar algumas palavras, para pedir desculpas, para apenas dizer, eu te amo.
Não sei quem se foi, mas sei que ele estará sempre presente em suas memorias.